domingo, 3 de julho de 2016

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA HISTÓRIA



Como todas as ciências, a História tem suas especificidades, trabalha com formas de raciocínio próprias a ela, tem seus limites e também suas exigências.
Uma grande dificuldade que nós encontramos quando queremos falar de nossos estudos é estabelecer a diferença entre o que é trabalho historiográfico sobre um determinado tema e o que é simples juízo de valores. Por exemplo, quando falamos sobre o preconceito racial, todos nós temos uma opinião a respeito. Alguns são contra, outros a favor, uns dizem que a culpa é dos próprios discriminados, outros afirmam que o preconceito é pura injustiça.
Trata-se de opiniões sobre o assunto. Outra coisa bem diferente é analisar historicamente o racismo, pesquisar suas origens, a quem ele serviu ou ainda serve, quais interesses estão por trás de uma teoria racista e em que contexto ela foi elaborada.
Vamos pensar no Brasil Colonial. A que conjunto de acontecimentos pertencia a ideia corrente de que os negros não tinham alma? Certamente a questão da escravidão. A quem interessa a difusão dessa ideia? Não aos escravos, com certeza!
Eis a diferença! Não se trata apenas de opinar ou julgar quem está certo ou errado. Trata-se de localizar e compreender historicamente o acontecimento, de tentar entender por que os homens daquela época agiam daquela forma e, finalmente contribuir para a formação de valores e de uma visão de mundo mais justa.

1.      O CONHECIMENTO HISTÓRICO E DINÂMICO
Essa abordagem da História não significa que temos a capacidade de recuperar a verdade do passado. O conhecimento histórico é uma reconstrução dos fatos passados a partir de fontes históricas, ou seja, é o nosso pensamento de hoje tentando alcançar o modo de pensar e de viver de outros tempos e de outros povos.
O conhecimento histórico é dinâmico: modifica-se, reestrutura-se a partir de novas descobertas, do aparecimento de novos documentos e até mesmo de novas formas de ler documentos já conhecidos.
Vamos fazer um exercício. Leia o texto a seguir:
“Já indicamos que, na medida do possível, a cidade deve estar em comunicação, ao mesmo tempo, com o interior do país, o mar e a totalidade do seu território. A cidade deve oferecer a seus cidadãos uma saída fácil; antes de tudo, ela deve ter águas e fontes naturais em abundância. Eis por que nos Estados sabiamente governados, se todas as fontes não são igualmente puras e se há carência de fontes de boa qualidade, as águas que servem para alimentação devem ser separadas das que são destinadas para outras coisas.”
Ao que parece, trata-se do texto de alguém preocupado com a poluição da água, processo que se intensificou após a Revolução Industrial. A contaminação das águas urbanas ainda é um grande problema da atualidade. Será essa a preocupação do autor?
Conhecendo quem escreveu e em que contexto, percebemos que não. Esse texto foi escrito pelo filósofo grego Aristóteles, que vivei entre 384 e 322 a.C, e seu título é Política. Agora leia novamente o texto, pensando que ele foi escrito por um filósofo da Antiguidade, e perceba como o sentido da leitura se modifica. Não se trata de um discurso de cunho ecológico e sim um discurso com preocupações políticas: Aristóteles estava mostrando aos governantes gregos formas de bem governar.

2.      OS FATOS E O CONTEXTO HISTÓRICO

Além de nos fazer perceber que podemos ler um mesmo texto de várias formas, esse exercício também chama a atenção para o fato de que não devemos pensar em um acontecimento desligado de seu contexto histórico, porque certamente faremos dele um juízo equivocado.
Vamos pensar na História do Brasil. No dia 7 de setembro de 1822, Pedro, príncipe regente português, decretou a independência do Brasil, que então pertencia a Portugal, Pedro era o filho mais velho do rei português João VI e, pela regra de sucessão, herdaria tudo o que pertencia a seu pai quando este morresse, inclusive o Brasil.
Com a proclamação da independência, nossa terra não pertencia mais a Portugal. Logo, o príncipe havia tornado livre uma terra (bem grande, por sinal...) que, de qualquer forma lhe pertenceria, por direito de herança.
O processo de independência era irreversível. A qualquer momento, um grupo revolucionário conseguiria levar adiante seu projeto de tornar o Brasil independente. Tomando o processo em suas próprias mãos, Pedro tornou-se imperador do Brasil, função que não o impediria de se tornar também rei de Portugal quando seu pai morresse.
Parece que a independência, apoiada pela elite rural, foi um grande golpe para manter o laço entre os dois reinos.
Entretanto, o projeto não se concretizou porque Pedro I enfrentou problemas políticos tanto no Brasil como em Portugal, e sua morte prematura, em 1834, acabou de vez com a tentativa de união de duas coroas.
Visto fora de seu contexto, o ato de Pedro I seria entendido de forma completamente equivocada. O mesmo costuma ocorrer com vários outros acontecimentos que estudamos na aula de História.

3.      O RECORTE
Falamos anteriormente que não é possível recuperar toda a verdade da História, mas apenas montamos hipóteses a partir das informações que as fontes históricas oferecem. Da mesma forma, não podemos resgatar todas as experiências humanas vividas. Primeiro, porque muitas não foram registradas; segundo, porque a quantidade de assuntos a serem estudados seria muito grande.
Os historiadores especializam-se no estudo de um ou outro tema, mas ninguém é capaz de estudar tudo o que aconteceu. O que fazemos então é “recortar” alguns temas para, através da pesquisa, elaborar o conhecimento histórico.
Vejamos um exemplo de recorte.
O estudo da Revolução Francesa gerou a produção de centenas de livros sobre o assunto. Um professor, ao escrever um livro de História para o ensino médio, dedicará um ou dois capítulos do livro para tratar desse assunto.
Trata-se, portanto, de escrever oito ou dez páginas a respeito de um acontecimento sobre o qual já se produziram milhares de páginas.
Como se resolve essa questão? Recortando o tema, escolhendo entre tudo o que se conhece sobre aquilo que o professor considera mais relevante para a formação escolar de um aluno do ensino médio.
A própria maneira como o conhecimento histórico normalmente está estruturado já é um recorte. Por que não conhecemos o Oriente como conhecemos o Ocidente? Por que os países do Oriente entram no estudo da História apenas quando existe uma relação entre eles e o Ocidente? Tomamos o Vietnã como exemplo. Conheceríamos o Vietnã se esse país não houvesse estado envolvido em guerra com os Estados Unidos.
A História que estudamos foi, quase na totalidade, escrita sob a perspectiva dos europeus ou de outros povos do Ocidente, como os norte-americanos. Um dos mais tristes exemplos é a África. O que conhecemos sobre a história desse continente foi construído a partir do que os países que praticavam o imperialismo, no século XX, pensavam a seu respeito, e não a partir do que os africanos entendiam ou entendem sobre sua vida.

“Imperialismo ou Neocolonialismo foi a prática colonial da segunda metade do século XIX e do começo do século XX”.

4.      FONTES HISTÓRICAS

Considera-se fonte histórica os mais variados documentos escritos, tanto oficiais como obras literárias e material jornalístico. Também são fontes históricas as expressões artísticas, desde as pinturas rupestres da Pré-História, passando pela música e escultura até as artes mais modernas como o cinema, os cartoons e a fotografia.
Tudo o que nos permite perceber alguma coisa a respeito das pessoas que produziram o material torna-se um documento histórico. Até a memória das pessoas é documento histórico!
Muitas vezes não se deseja que a história seja conhecida, para tanto se destroem as fontes. O ditador Joseph Stalin mandou apagar, de todos os documentos históricos, as referências a participação de Trotsky na Revolução Russa de 1917. Como eram inimigos políticos, logo que tomou o poder, Stalin usou seus privilégios de ditador para reescrever a história da Revolução, eliminando um fato verdadeiro, que foi a participação de Trotsky.
Por tudo isso, devemos sempre abordar as fontes históricas com muito critério e senso crítico, e não podemos ser ingênuos diante de documentos.

Fonte do texto: PETTA, Nicolina Luiza de. OJEDA, Baes Aparicio Eduardo. Coleção Base: história: uma abordagem integrada. São Paulo. 1 ed. 1999.







                    

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